Lavradores de rochas

Trilhando caminhos sinuosos entre montanhas,
Caminhando sobre o manso sussurro dos seus pés.
Vai…
o homem com seus sonhos.
Carrega-os no brilho dos olhos e na ânsia da chegada.
Caminha…
passos sincronizados com os ponteiros do tempo:
nem depressa, nem devagar, mas no giro inteiro do sol.
A montanha brilha.
No vale, o lago reflete mil estrelas ao meio dia.
Seguem…
homens e muares.
Trotam nas luzes projetadas no chão de grafite.
Sem pressa, tropeça
no meio do caminho.
No meio do caminho tem arrepios
tem assobios.
tem pepitas douradas no fundo líquido do fio d’água.
Grande é o rio e a sede também.
Avança…
O homem e a bateia,
a picareta,
a caminhoneta.
No meio do caminho tem uma sede
Mas a água não lava a secura que gruda o beiço na comilança.
A pedra dança
A pedra rola
A picareta avança

A marreta dobra
sobre a pedra que se parte em mil formas
feito formigas no chão.
O sol rola montanha abaixo
e brilha sob os pés do homem,
da mula
e na poeira que levanta
quando a caminhoneta ronca,
quando a pedra tenta, em vão,
retornar ao cume.
A montanha chora.
No meio do caminho tem uma rosa
Tem uma prosa,
Uma pedra
e um poeta.
A pedra se desfaz pouco a pouco.
A prosa faz cafezinho
Nas casas de janelas azuis e flores no jardim
O poeta faz arte na lavra do tempo
E o homem continua
No meio caminho.

(Aparecida Dias)

Dentro do meu coração

Dentro do meu coração
Todo dia é fevereiro
Noite de verão
Escada de mistérios
Luz branca de luar
Brisa mansa misturando teu cheiro
Com meu pensamento
Embriagado de desejo.

Dentro do meu pensamento
Toda noite é coração
É lua a derramar branca luz
Mistérios da paixão
E teus olhos de fevereiro
Embriagados com meu cheiro
São noite de brisas
Escalada de beijos

Dentro dos meus beijos
Toda noite é desejo
São teus olhos de luar
Num fevereiro de verão
E a brisa branca de lua
Embriagada de pensamento
Cheia de mistérios
É fusão insólita
Dos desejos teu e meu

(Aparecida Dias)

CONVERSA DE MENINO

Seu moço, eu sou menino

querendo avuá.

Faço pipa de papel  e viro cambalhota no céu

quando dana a ventá.

Eu ando matutando um jeito danado de bão

de fazê brinquedo avuadô

que levanta a gente do chão.

Seu moço, o sinhô bem que podia me ajudá.

Eu corto as varas de bambu

o sinhô ajuda a amará.

Vamo fazê pipa bem grande

Assim feito um avião

Colocá remo pra nuvem

e guia de direção.

Ah, seu moço!…

Embarquemo junto fazendo arvoroço.

Lá im cima nas artura

Eu mais o sinhô

voando de mansinho…

Cá na terra todo mundo

vai ficá admirado,

pensando que nós dois

viremo passarinho.

(Aparecida Dias)

 

 

FEMINICÍDIO

tristeza

Primeiro cortam a sua língua, depois deturpam sua visão.

Fazem-lhe envergonhar do seu corpo e prendem seus passos em rasos espaços entre o quarto e cozinha.

Gritam para que ouça a voz da razão.

E o som grave faz-te esquecer a melodia das manhãs femininas quando as borboletas dançavam dentro do peito.

Então arrastará, pesadamente e sem jeito, as horas compridas

marcadas em compassos.

Passará a ter medo de vozes e passos.

Sem o sol  a aquecer-lhe o rosto, vela sem luz é colocada em caixa fechada

Embolorada.

E assim, semi-viva, você vai chorar, debater, sangrar…

Dirão-lhe que é natural  o seu sofrer.

Converterá seus dias em pesadelos e com receio de vê-los no espelho, esconderá de si mesma.

A pouca idade é disfarçada  pelas marcas da desilusão

que imprime na pele cicatrizes amargas

salgadas

desbotadas.

Corpo sem alma,  pulsar sem coração.

Livro que não se lê.

Cambaleia luz amarela, nos olhos que nada vê.

As sombras dançantes projetadas no sonhar

tentam, em vão, lhe acordar.

Em busca do que ficou perdido no tempo, abraçará  vento

e dormirá, emfim,  um sono de lua mergulhada no mar.

Corpo lavado em água salgada…

Noite sem fim!

(Aparecida Dias)